Por CBTM
Ganhar mais de 40 medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos é fácil. Determine que todas as escolas de seu país descubram os alunos de
Separe-os da família e interne-os em escolas de esportes até que atinjam a idade adulta. Distribua-os entre os esportes olímpicos em que têm mais chances de medalha olímpica. Esse é, pelo menos, o modelo que funcionou para a China nos Jogos de Pequim.
O Projeto 119,
Em Atenas,
O projeto chinês se concentrou em modalidades como ginástica artística, levantamento de peso, tae kwon do, tênis de mesa, badminton e vôlei de praia. Escolas como a Shichahai, de Pequim, onde treinam 600 jovens revelações do esporte chinês, se tornaram conhecidas no mundo inteiro.
Segundo uma estimativa americana, há mais de 185 mil jovens chineses treinando em 1.800 centros esportivos. Desses viveiros saem, calcula-se, 20 mil atletas com potencial para se tornarem olímpicos. Antes mesmo dos Jogos, Jim Scherr, dirigente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, já afirmava, com base nos resultados das competições internacionais que antecederam as Olimpíadas de 2008: Os chineses estão nos varrendo da corrida pelas medalhas de ourO.
Há quem tenha visto no exemplo chinês um modelo que poderia, ao menos em parte, ser aplicado no Brasil. É verdade que alguns aspectos --- como a detecção de talentos nas escolas --- poderiam ser adotados, bastando alguma organização e boa vontade. O problema do modelo chinês é que vários detalhes --- como a necessidade de tirar as crianças do convívio dos pais para treiná-las em tempo integral --- são inaplicáveis em outras culturas.
Regimes totalitários têm mais facilidade para transformar seus povos em supercampeões olímpicos --- tome os casos da Alemanha de Hitler, em 1936, da União Soviética, entre os anos 50 e 80 do século passado, e de Cuba. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, o esporte compete pela ajuda governamental com outras necessidades mais urgentes, como saneamento, educação e saúde.
Mesmo dentro da China, o rigor do programa de busca de medalhas não está isento de críticas. O caso do ídolo local Liu Xiang foi exemplar. Inesperado campeão dos
Tinha uma lesão na perna direita. O problema foi escondido do público, que chegou ao Estádio Nacional achando que veria seu herói conquistar a medalha de ouro e chorou ao vê-lo desistir da competição mancando e se contorcendo
Em vez da China, talvez o Brasil pudesse se espelhar no exemplo de outros países que tiveram bom desempenho nos Jogos de Pequim. A Grã-Bretanha, sobretudo. Em 1996, ela terminou os Jogos Olímpicos de Atlanta numa vexaminosa 36a posição no quadro de medalhas. Com apenas uma medalha de ouro, oito de prata e seis de bronze, ficou atrás de países como Brasil (três de ouro, três de prata e nove de bronze) ou Bulgária (três de ouro, sete de prata e cinco de bronze).
Esse resultado, considerado escandaloso pela imprensa britânica, levou o governo John Major a mudar a legislação. Ele passou a destinar aos esportes olímpicos uma pequena parcela da arrecadação das loterias federais.
TREINAMENTO
Desde pequenos, os chineses vão a escolas esportivas como a Shichahai, onde treinam 600 jovens revelações chinesas do esporte
Em 2000, o Brasil terminou os Jogos Olímpicos de Sydney na não menos vexaminosa 52a posição no quadro de medalhas. Sem medalha de ouro e apenas seis de prata e seis de bronze, ficou atrás de países como Grã-Bretanha (11 de ouro, dez de prata e sete de bronze) e Bulgária (cinco de ouro, seis de prata e duas de bronze).
Esse resultado, considerado escandaloso pela imprensa brasileira, levou o governo Fernando Henrique Cardoso a mudar a legislação. Ele passou a destinar aos esportes olímpicos uma pequena parcela da arrecadação das loterias federais.
Mais oito anos se passaram. Hoje a Grã-Bretanha é uma potência olímpica. Podia encerrar os Jogos de 2008 em terceiro lugar no quadro de medalhas. Até o fechamento desta edição, eram 18 de ouro (uma a mais que a Rússia), 13 de prata e 13 de bronze.
Em 11 anos desde o início do financiamento lotérico, o esporte britânico recebeu uma injeção de cerca de R$ 1,3 bilhão. Em sete anos desde o início do financiamento lotérico, o esporte brasileiro recebeu uma injeção de cerca de R$ 450 milhões. A Grã-Bretanha passou de 15 medalhas em Atlanta para mais de 40 neste ano.
O Brasil continua o que sempre foi, um coadjuvante
--- O esporte brasileiro vem evoluindo a cada ciclo olímpico, e aqui em Pequim esse crescimento está se confirmando. E essa avaliação não se faz apenas pelo número de medalhas --- afirma Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).
A entidade adotou como critério de avaliação o número de participações de atletas brasileiros em finais olímpicas. Até o fechamento desta edição, a equipe nacional já fizera parte de 37 finais em Pequim, em comparação a 30 em Atenas 2004, 22 em Sydney 2000 e 20 em Atlanta 1996.
O COB também cita às conquistas inéditas na história da participação brasileira
ELE É UMA POTÊNCIA
O corredor jamaicano Usain Bolt (de camiseta amarela, ao centro) aponta para a frente depois de passar o bastão ao compatriota Asafa Powell, na final do revezamento 4 x
O COB defende o trabalho que vem sendo feito desde 2001. Até então, vivia de migalhas cedidas pelo governo federal. A participação nos Jogos de Sydney, em 2000, foi custeada graças à liberação de última hora de R$ 10,5 milhões. A vida do COB se transformou em 2001, com a aprovação de uma nova lei que destina 2% da arrecadação das loterias aos esportes olímpico e Paralímpico. Hoje isso representa cerca de R$ 85 milhões. Somem-se a esse total, a partir deste ano, mais de R$ 25 milhões provenientes de outra lei, recém-sancionada, a de incentivo fiscal, que permite à s empresas abater Imposto de Renda apoiando projetos esportivos.
Antes da lei, o COB não tinha quase nenhum poder sobre as confederações esportivas. Seu papel era quase exclusivamente organizar a delegação olímpica.
Cada esporte mendigava seus patrocínios. Com o dinheiro proporcionado pela loteria, muitas modalidades passaram a ter recursos com que jamais haviam sonhado.
A que mais se beneficiou, provavelmente, foi a ginástica artística. A seleção permanente formada em Curitiba, em 2004, produziu Daiane dos Santos e Jade Barbosa. Em outros esportes, porém, não se viu nenhuma evolução.
Anualmente, o COB publica em seu site uma apresentação com a prestação de contas da aplicação dos recursos. Nesse documento se vê uma falha grave da lei: ela não obriga o COB a fixar metas claras de resultado. Como conseqüência, muitas modalidades recebem dinheiro há sete anos, mas seus resultados não evoluem.
No documento de 2007, o nado sincronizado brasileiro relacionou entre as metas atingidas a que participou das finais do Campeonato Mundial, obtendo resultados bastante significativos.
É muito vago e muito pouco para justificar o recebimento de recursos que poderiam ser destinados a áreas mais carentes. O COB também é criticado por destinar uma parcela significativa do dinheiro para própria manutenção.
Em 2007, foram R$ 23 milhões dos R$ 85 milhões. Compare-se esse valor à receita anual da Associação Olímpica Britânica, o equivalente do COB no Reino Unido: R$ 22 milhões.
Mudar a lei para torná-la mais rigorosa, é, portanto, o primeiro passo para que a fortuna proveniente das loterias e do incentivo fiscal possa ser fiscalizada mais de perto pelo público e pela imprensa.
Hoje, é o Tribunal de Contas da União o responsável pela verificação do bom uso do dinheiro. Mais uma vez, o exemplo inglês é valioso. O dinheiro da loteria não é administrado pelo comitê olímpico nacional, e sim pela UK Sport, um órgão vinculado ao governo que existe expressamente para cumprir essa função.
O site da UK Sport detalha a aplicação de recursos e estabelece metas para cada esporte. Tome-se como exemplo o ciclismo. Entre os Jogos de Atenas, em 2004, e os de Pequim foram investidos R$ 67 milhões da Loteria Nacional nesse esporte. Desse total, R$ 35 milhões foram para atletas com chance de medalha olímpica em Pequim (24 atletas), R$ 28 milhões para jovens com potencial para os Jogos de Londres, em 2012 (49 atletas), e R$ 4 milhões para a detecção de talentos precoces.
Foi estabelecida a meta de seis medalhas
O sucesso da China e da Grã-Bretanha nos Jogos de Pequim teve um impacto direto sobre o resultado do Brasil. Em alguns esportes, chineses e britânicos tiraram brasileiros do pódio ou fizeram-nos descer um degrau.
Foi o caso da vela,
Não basta, portanto, pôr dinheiro e esperar que os resultados venham: é preciso fazer melhor que os outros. Mais detalhamento na prestação de contas e rigor na fixação de metas poderiam ajudar o Brasil a sair do patamar mediano em que estancou nos Jogos Olímpicos.
Com esse desempenho e apesar da vitória de Maurren Maggi, o Brasil arriscava sair de Pequim com menos medalhas de ouro que Usain Bolt, o jamaicano tríplice campeão olímpico em Pequim (100,
Trata-se de um país que decidiu se especializar num esporte --- não o atletismo, mais especificamente as corridas de velocidade --- e teve sucesso nisso. Como resultado, no quadro de medalhas de Pequim ficaria entre os 15 primeiros colocados em medalhas de ouro.
O país que certamente entrará para a história olímpica é a China, que ganhou medalhas em 21 das 38 modalidades
O Comitê Olímpico Internacional determinou à Federação Internacional de Ginástica que abra uma investigação sobre três ginastas da equipe chinesa campeã na prova feminina por equipes. Elas teriam menos de 16 anos e, suspeita-se, teriam competido com passaportes falsificados.
O jornal americano The New York Times publicou evidências comprometedoras contra duas delas. O COI afirma ter recebido novas informações que justificam a investigação. A perda dessas medalhas era o único evento capaz de abalar o prestígio chinês adquirido nestes Jogos. Mas não tiraria a China do topo do quadro de medalhas, nem do panteão da glória olímpica.
Fonte: Revista ÉPOCA