Por CBTM
A imprudência no trânsito mudou para sempre a vida de Guilherme Costa, 21 anos. Aos 14, ele voltava da escola, na Asa Sul, para casa, no Sudoeste, quando passou por uma faixa de pedestres no Parque da Cidade. Quase todos os carros na pista pararam para o jovem, menos um, que seguia a 120km/h, o dobro da velocidade máxima da via.
O condutor tentou frear. Como estava rápido demais, acertou o estudante em cheio, a 105km/h. Guilherme teve traumatismo craniano, fraturas expostas e duas paradas respiratórias. Passou 20 dias em coma, dois meses na UTI, enfrentou sete cirurgias e perdeu 30kg. Ficou tetraplégico.
Alguns anos depois, o jovem se superou. Tornou-se campeão brasileiro de Tênis de Mesa. Hoje, viaja o mundo representando o país em provas paralímpicas. Paralelamente, luta pelo fim da violência no trânsito.
--- Tive que reaprender a respirar, a estudar, a fazer tudo. Foram dois anos, nos quais eu e a minha família ficamos sem chão --- relembra.
Por conta do atropelamento, Guilherme precisou de sessões de fonoaudiologia e de psicoterapia. Continua com a fisioterapia.
--- É preciso repensar formas de deixar o trânsito mais seguro e de ser mais severo em relação à formação e à conscientização dos condutores --- afirma.
O caso de Guilherme traduz a dura realidade do desrespeito à vida nas vias brasileiras. No primeiro semestre do ano, 215 mil pessoas receberam indenizações por terem ficado com sequelas graves após se envolverem em colisões. Os dados do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) representam um aumento de 51% em comparação com o mesmo período de 2012, quando cerca de 143 mil vítimas foram ressarcidas por terem ficado com alguma incapacidade física ou psicológica permanente em decorrência de tragédias.
As indenizações são pagas a todas as vítimas de trânsito — motoristas, passageiros ou pedestres — que dão entrada no pedido ao seguro DPVAT. O pagamento acontece em até um mês depois da apresentação dos documentos necessários. Os valores são de R$ 13,5 mil, quando há morte, e de até R$ 2,7 mil de reembolso com despesa médica. Em caso de invalidez permanente, a indenização é de até R$ 13,5 mil, de acordo com o grau da sequela.
A situação brasiliense se assemelha à do restante do país. No ano passado, os hospitais públicos da capital federal atenderam 224 pessoas, por mês, feridas em acidentes. Até agora, com base nas estatísticas de janeiro a junho deste ano, a média mensal está em 238 pacientes — isso representa um aumento de 6%. Os hospitais de Base do DF e o de Santa Maria lideram o ranking (ver quadro). As colisões de automóveis e motociclistas aparecem entre as principais causas. Apesar de não existirem estudos sobre o desenrolar das assistências, os gestores da Secretaria de Saúde afirmam que grande parte dos casos acarretam sequelas irreversíveis.
Para pensar
O desafio é evitar que o trânsito cause mais mortes e, consequentemente, sequelas nas vítimas. Os esforços se concentram na educação dos motoristas. A Semana Nacional de Trânsito, encerrada na última quarta-feira, mobilizou a sociedade para pensar e teve como tema o combate à mistura de direção e álcool ou substância ilícita, apontada como uma das principais causas da violência motorizada. A medida integra uma iniciativa ainda maior, o Parada pela Vida — Pacto Nacional pela Redução de Acidentes no Trânsito, ação interssetorial liderada pelo Ministério das Cidades, que concretiza a adesão brasileira ao compromisso mundial estabelecido pela Década de Ação para Segurança Viária, entre 2011 e 2020.
O governo federal trabalha o respeito à legislação e o estímulo à cidadania para alcançar a meta de queda de 50% no número de colisões até 2020. O pacto envolve ações nas áreas de legislação, educação, comunicação e fiscalização. Entre elas, estão a qualificação dos instrutores dos centros de formação de novos condutores e a capacitação de professores para abordar o tema nas escolas. Segundo a diretora de Programas do Ministério das Cidades, Viviana Simon, o objetivo é sensibilizar a população para uma convivência pacífica e consciente no tráfego diário.
Para o especialista em trânsito Paulo Cesar Marques, da Universidade de Brasília (UnB), o Brasil ainda precisa avançar muito para atingir a meta de reduzir pela metade a quantidade de vítimas até o início da próxima década. Ele lembra que existe uma Política Nacional de Trânsito, aprovada em 2004, com metas estabelecidas, mas que ela é mal executada.
--- Falta investimento na capacitação técnica das pessoas que atuam nos estados e nos municípios. Ainda não se implantou a educação de trânsito nas escolas. O Ministério da Educação chegou a divulgar um parecer dizendo que os conteúdos devem ser abordados de forma transversal. Mas isso só vai funcionar se os professores também forem treinados --- defende.
Ranking
Ao todo, 1.427 vítimas de trânsito foram atendidas na rede pública de janeiro a junho de 2013. Veja os cinco hospitais com o maior número de internações:
Santa Maria 506
Hospital de Base 392
Ceilândia 160
Planaltina 132
Sobradinho 108
As maiores causas
Acidentes com veículos 299
Motociclistas 88
A Confederação Brasileira de Tênis de Mesa conta com recursos da Lei Agnelo/Piva – Lei de Incentivo Fiscal e Governo Federal – Ministério do Esporte.